sábado, 7 de março de 2009

Aloha!

Caros Leitores:
Esta proxima estoria fala de indios, Deuses, ondas, Morte e Amor.
Nao esta completa ainda, mas esta quase 100%. Aproveitem e comentem.
Vamos colocar (provisoriamente) o nome "Aloha!"
Deliciem-se
Leo

Aloha!

Toda a vez que um índio fica doente é o Pajé que com seu conhecimento e a sabedoria das plantas que contribui para a cura das mais variadas doenças. Quando o mal é muito poderoso, a ponto de dizimar toda a tribo, o Xamã consegue perceber o perigo antes, e trata logo de resolver o futuro problema.
Durante a noite de eclipse da Lua cheia, os espíritos dos ancestrais alertaram Abaeté sobre Mamaés, espíritos extremamente maléficos que viriam dos mares sem fim. Segundo o relato da profecia, a única proteção segura para a tribo seria uma vacina feita do sapo nhã-nhã-nhã. Além de esclarecerem Abaeté sobre o sapo, esclareceram também o método de aplicação do remédio: com espinhos de um Jacarandá da Bahia, se faria três furos no braço da pessoa e com novos espinhos embebidos em óleo de Copaíba acrescenta uma mistura que contém água da chuva, folhas de Arumã, saliva do sapo nhã-nhã-nhã mais sementes de mastruz embebidos em leite de morcega.
A gravidade do assunto merecera atenção máxima e na mesma noite da revelação da mensagem, Abaeté me chamou, e com uma pequena comitiva partiria no dia seguinte para uma caminhada rumo ao local onde o Kuat não sai da água, para encontrarmos o sapo.
Abaeté montou o grupo para esta empreitada composto por ele, Jaguarão, Arawaté e eu. Para os Pajés e Xamãs o trânsito sempre foi livre por todas as tribos. Entre os outros viajantes era sempre necessário contar uma história, trazer novidades do mundo, e depois destas histórias, o conselho dos velhos se reunia e decidia qual seria o destino dos viajantes. Se fossem considerados hóspedes tudo seria as mil maravilhas, o único problema seria se tivesse alguma briga ancestral. Se isso ocorresse iríamos ser a principal atração do ritual antropofágico a ser realizado na tribo. Com o tempo fui aprendendo alguns macetes com Abaeté e Arawaté: eles sempre tinham uma boa poesia ou canção, além de uma flauta de bambu ou de canela de onça para tocar belas canções aprendidas com a chuva e com os ventos.
O primeiro contador de estórias que vi foi o xamã Tucumã que veio das terras dos ventos uivantes e gelados ao lado dos grandes rios. A estória dele não esqueço até hoje, e foi narrada assim:


Ternos e flexíveis são as plantas quando começam
Duras e rígidas quando terminam.
Rígido e duro o que sucumbe a Yama
Tenro e plasmável o que é repleto de vida
Quem julga ser forte só pelas armas
Não vencerá.
Árvores que parecem possantes
Sempre se aproximam do fim.
Pelo que vale isto:
O que parece grande e forte
Já está a caminho da decadência
Mas o que é pequeno e plasmável,
Isto cresce.


A caminhada foi longa e sem contratempos. Toda a costa deste imenso continente era habitada pela família Tupi. Nossa hegemonia no Litoral só era quebrada pela tribo Goitacá, ao sul da nossa aldeia, pelos nômades Tapuias, e ao norte pelos Taba Yaras que viviam em constantes atritos com os Potiguar.
Durante uma mudança de Lua inteira caminhamos subindo a costa. Toda a aldeia onde passávamos, sempre éramos recebidos com festa. A fama de Abaeté correu o mundo depois do nascimento de Jaguarão, e durante muitos pousos contei e recontei a estória do homem onça que por ora nos acompanhava. Nenhuma tribo possui mais do que três contadores de estórias, sujeitos portadores da sabedoria milenar dos ancestrais, e sempre à noite entre as beberagens de cauim, bebida extraída da mandioca, exerciam com muita honra e prazer esta função. Abaeté sempre falava da importância de viajar, e desta imensa caminhada nunca vou esquecer deste diálogo que tive com ele algumas horas antes de chegar a Lagoa Encantada.
- Uma viagem de muitas Luas começa sempre com o primeiro passo. Viajar é multiplicar a vida, Piatã. Como é proveitoso poder aprender com as outras culturas. A viagem celebra o reencontro do homem com o imprevisto, o que lhe permite romper com a rotina, o cotidiano. Tirando você de seu estado de eterna quietude. A liberdade e o infinito ao alcance de sua vontade. Não existe nada melhor do que ver o mundo com olhar de viajante, tudo é novo, tudo é mágico. Não existe rotina, ou melhor, nós é que quebramos as rotinas existentes... Viajantes buscam a diversidade, se apropriam de experiências que lhe permitem compreender de onde uma sociedade tira substância para o seu conhecimento. A verdadeira viagem não é apenas ir de encontro a novas paisagens, mas de ter novos olhos. Viajar confunde com a experiência do novo, diferente. Podemos nos maravilhar ou horrorizarmos com o outro. Aquilo que escapa do nosso modo de vida não é necessariamente bárbaro e desprovido de razão. Viajar sempre foi se equivocar. Afinal trata-se, na maioria das vezes, de aprender de maneira mais rápida e grosseira realidades sobre as quais sabemos pouco ou quase nada. Viajar talvez seja equivocar-se sobre o outro e apreender com o distanciamento e com a comparação, algo mais sobre nós próprios. Viajar amplia muito as possibilidades para aceitarmos melhor as múltiplas variantes do humano e nos ensina a conviver mais pacificamente com elas. Mas ao final as nossas diferenças é que nos unirão. Ninguém conhece todos os segredos da floresta, mas cada índio conhece muito bem seu quintal. Vai chegar um dia que todos estes pensamentos se unirão, seja por bem, seja por mal. Ninguém irá se chamar Tupinambá, Tapuias ou Goitacás, muito menos índio. Todos serão humanos. Neste dia a humanidade estará pronta e em sintonia para conhecermos nossos irmãos que moram em outros universos. Enquanto nós não nos chamarmos todos de irmãos, como conseguiremos conviver com outros povos e culturas de outros planetas? A busca para este encontro é puramente espiritual, não tecnológica. A melhor maneira de lutarmos para que esta união se concretize é fazermos a nossa parte. Viaje Piatã, conte em suas estórias a sabedoria do nosso povo guardada para a Eternidade. Compartilhe a sua luz com os outros. Carregue sempre com você a paz e harmonia. Leve o que existe de bom em seu coração que automaticamente você.O Senhor da Fala carrega em sua mão a Morte e a Vida. Leva seus ouvintes por onde quiser sem contradição. Para se tornar um Senhor da Fala é preciso provar que é bom de Língua e para isso se põem muitos com ele toda uma noite por três, quatro dias para tentar vencê-lo pelo cansaço. Mas se o candidato vencer o cansaço, todos os têm por grande Homem e Língua.
Quando íamos nos aproximando da tribo Potiguar, a menos de um dia da chegada do nosso destino final encontramos uma família de índios da aldeia, que voltavam de uma coleta de frutos e sementes. Raramente buscavam caça na mata, exímios nadadores, com muitos peixes e mais variados frutos-do-mar montavam o seu cardápio alimentar.
Impregnados com a essência do lugar e ébrios de energia continuamos o caminho tranqüilamente até começarmos a sentir outras presenças ao nosso redor e sabíamos que estávamos sendo observados por muitos olhos, que mal se ocultavam da nossa vista na vaga e indistinta mata. Rápida como o bater de asa de um beija-flor, uma flecha passou zunindo pelos ares na frente dos olhos de Jaguarão. O tiro deixou de acertar a sua cabeça pela metade da largura de um dedo. Milhares de flechas saíram flamejando de arcos ocultos da floresta. Saímos da trilha, fugindo daquela armadilha de morte preparada pelos Taba Yaras.
Como os olhos são atraídos para o belo as flechas de Jaguarão encontravam abrigo no peito dos inimigos. Ele lutava só, mas parecia estar em todas as partes ao mesmo tempo. Arawaté conseguiu encantar algumas serpentes de línguas fendidas que partiam para cima dos Taba-Yara vomitando veneno, enquanto Abaeté criava guerreiros que se multiplicavam através da ilusão.
Muito mais do que simples e valorosos guerreiros Taba-yara, também enfrentávamos um Xamã poderoso como uma cachoeira trovejante, e muito rapidamente nuvens de tempestades surgiram do nada e desceram com grande estrondo sobre a floresta, ocultando o sol e despejando chuva, muita chuva, como mil cachoeiras. Uma chuva constante que caía em torrentes grossas como caules de bananeira. Todo o líquido caiu sobre nós como se quisesse submergir-nos num oceano. Uma flecha com a ponta em chamas e com um mantra encantado de Abaeté zuniu do arco de Jaguarão, perfurou as nuvens e dispersou a Tempestade.
Logo após a parada da chuva saiu da mata Jaçanã, com sua pintura brilhante como o sol e com uma faixa de jóias que caiam de seu ombro esquerdo, longos brincos de ouro e cinturões e braceletes de bronze. Apetrechos que portava não por vaidade, mas pelo poder que eles continham.
- Vi que lutam bem, conservarei suas vidas. Disse Jaçanã.
- Quem pode lutar contra a alma de toda a vida e seu amigo de outrora. Retrucou Abaeté.
- Não reconheci você Abaeté, senão muitas vidas poderiam ter sido poupadas.
- Não é motivo de nenhum desmerecimento morrer lutando pela sua tribo Jaçanã. Mas não posso permitir que continuem se matando como crianças mimadas.
- Através das palavras, nós não conseguimos entrar em harmonia com os Potiguar a respeito do Rio Ipiaú, então que os índios mais valentes tomem conta do espaço. Por acaso tem alguma idéia melhor Abaeté?
- Porque não deixam o Rio decidir?
- De que jeito faremos ele falar?
- Deixaremos o Rio emanar suas emoções. Nos prepararemos até a próxima Lua Cheia, cantaremos, beberemos e depois pediremos aos Deuses que demonstrem quem eles mais amam. Iremos todos nos jogar no Rio e quem descer mais rápido em direção ao útero terá o direito de permanecer aqui. Os candidatos poderão fazer embarcações para apoiar a nadada, mas não poderão usar remos.
Todos aceitaram a proposta de Abaeté e então começou os preparativos para a grande contenta. Quando escolhiam uma árvore para fazer uma prancha para deslizarem no Ipiaú, o artesão depositava um Ariocó, peixe vermelho que habita a foz dos grandes rios, no seu tronco para logo depois derrubar a árvore com um machado de pedra molhado na seiva vermelha da Biquiba, árvore que sangra igual gente. Depois enterravam o peixe entre suas raízes que é oferecido aos Deuses como uma prece em agradecimento pelo presente. Para fazer a prancha, além da extrema habilidade manual do artesão, era necessária a utilização de inúmeras ferramentas como pedra, madeira e pedaços de corais.
Tanto os Potiguar, quanto os Taba-yara eram exímios nadadores e por todos os lados vários guerreiros se apresentavam com suas pranchas de madeira no dia da prova. Extraídas de árvores como a Fruta-pão e Pau Paraíba, faziam as pranchas menores; e com o Vinhático, Aderno e o Cedro, confeccionavam as pranchas maiores. Muitos eram os favoritos para desempenhar um bom papel, mas nenhum melhor que Arumã, Pajé da tribo Taba-Yara. Mas no dia da prova ele acordou bastante apreensivo. Não pelas expectativas da tribo pelo seu desempenho, mas pelo sonho que teve com Yama, o Senhor da Morte.
- Amanhã sua filha irá pedir a sua prancha e você não negará o seu pedido Arumã.
Arumã acordou desolado. Sua filha Jacira era o bem que ele tinha como o mais precioso. Muito jovem ainda para tentar brigar com guerreiros valorosos, todavia não tinha como contestar sua fluidez na água. Mas definitivamente esta luta era para guerreiros.
Ao meio dia, hora que todos estavam na margem do rio esperando as palavras dos Deuses, Jacira olhou para seu pai Arumã e pediu:
- Pai, me deixa pegar a sua prancha enfeitada com penas de tucano?
Não adiantou nada Arumã colocar no bico uma caveira de um tucano e suas penas para fazer Jacira desgostar de sua prancha. Longe de negar desejos de Yama, Arumã cedeu a prancha a Jacira e se resignou nas margens do rio enquanto Jacira remava feliz sobre as águas barrentas.
De repente, não mais que de repente, um vento frio e sinistro correu pelo rio e toda a ira dos Deuses se fez presente numa voz trovejante que ecoou por toda floresta:
- Como ousam nos perturbar com disputas mesquinhas e vãs? Nós, Deuses, temos mais com que nos preocupar do que assistir ao insano teatro dos humanos. Sobe o rio agora a voz da minha fúria para vocês.
Após o término do discurso celestial, seis gigantescas ondas subiram o Rio Ipiaú arrastando tudo por sua frente, destruindo tudo que estava parado nas margens. Alguns índios sucumbiram arrastados pela fúria do rio, outros perderam completamente o tempo das ondas e foram atropelados por elas, mas muitos guerreiros conseguiram deslizar com as ondas usando as suas pranchas de madeira.
Jacira escapou de ser varrida por duas ondas mas conseguiu ir com a terceira onda e de pé se equilibrava na sua prancha, ora avançando, ora recuando seu leve corpo sobre o tronco de madeira e desta forma a prancha se mantinha em equilíbrio e continuava avançando com a onda. Alguns surfavam de pé, outros surfavam deitados, e tinha ainda um guerreiro que surfava de joelhos. Corpulentos guerreiros uniam-se a franzinos meninos sobre as ondas. Todos eles possuíam em comum uma estranha força que brotava da emanação vital dos Deuses, os índios chamaram este fenômeno de Poroc-Poroc. O simples ato de deslizar sobre as ondas do rio deu origem a um brinquedo chamado surf e a uma história de amor entre as ondas, os ventos, as correntes marinhas e o índio.
Que atividade que parece simples. Apanhar uma onda no mar. Interagir com a água que brota em forma de onda do fundo do oceano. Muito mais difícil do que pegar uma onda é tentar entender a dimensão que este simples fato pode influenciar tanto a consciência quanto à personalidade de um ser humano.
Estávamos eu, Abaeté, e Jaguarão esperando rio acima os ganhadores de uma prova onde não houve perdedores. Ganharam todos os que provaram daquela força mágica que brota do oceano. Os guerreiros que conseguiram surfar até o fim das ondas tiveram em sua homenagem os corpos cobertos com pasta de erva-doce e flores de Ipê. Jaguarão se apaixonou completamente por Jacira, ato que foi severamente repreendido por Abaeté:
- Você é como uma criança querendo alcançar a Lua, não anseie por aquilo que você não pode ter Jaguarão.
Ao entardecer, quando as duas tribos unidas comemoravam e celebravam a vida, depois da misericórdia dos Deuses, Jaguarão olhou para Jacira, fitou-a diretamente na alma e declarou:
- O Luar é o seu sorriso, a Terra e o Céu a sua ilusão. Apaixonei-me desde que senti seus olhos em mim pela primeira vez e embora tenha saído do ventre dos Deuses, só conhecerei os céus quando a tiver nos braços. Apesar de te conhecer agora, meu amor é imenso como o Espaço, vasto como o Tempo. Farei tudo o que quiser se me conceder o privilégio do amor.
Após dizer isto, Jaguarão sentiu uma mão cair sobre seu ombro com todo o peso do Tempo. Era Arumã:
- Se me pedisse de presente toda a Terra, com seu cinturão de mares eu lhe daria pela sua bravura Jaguarão, e acredite é mais fácil para mim lhe conceder isto do que a mão de minha filha. Mas ela é soberana e sábia em suas decisões, deixarei que ela decida o seu próprio destino.
- Meu pai, desde que conheci Jaguarão vejo estrelas em seus cabelos para meus novos olhos.
- Acordei hoje pensando que te perderia para Yama minha filha, mas é com felicidade que vejo que vais com Jaguarão. Cresça e prospere em um corpo feliz.
Arumã fez cessar o cheiro de peixe que sua filha possuía, e a tornou fragrante como a flor e imediatamente por toda a aldeia se espalhou e se sentiu o perfume das flores na estação que não havia flores e a esta menina, alva como os raios da Lua, batizou de Flora.

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